A do dia | |||
Diga não ao confisco federal! | |||
São Paulo, 4 de julho de 2016 | |||
Por Celso Vegro (*) Em 1953, ocupava o cargo de ministro da economia Osvaldo Aranha. Assessorado pelo então presidente do Banco do Brasil, Marcos de Souza Dantas, instituíram taxas múltiplas de câmbio, “envolvendo um regime de leilões cambiais para as importações, e taxas fixas diferenciadas para as exportações” (BACHA & GREENHILL, 1992) (1). Através dessa medida conseguiu-se, efetivamente, aumentar a arrecadação de impostos (reforço à política fiscal) por meio do que se convencionou chamar de confisco cambial (ou cota de contribuição no linguajar tecno-burocrático oficial). Anteriormente à vigência do confisco, os cafeicultores recebiam 90% do preço de exportação, tendo passado a receber apenas 50% com a edição dessa política. A imposição do confisco cambial aos embarques de café, naquela altura, tinha por objetivo encarecer importações, em apoio explícito a política de substituição de bens manufaturados no exterior, pela produção local (padrão de desenvolvimento autárquico). Paralelamente, procurava manter no máximo a arrecadação de tributos, valendo-se do mecanismo de deságio cambial aplicado às exportações de café por um lado, e por outro,aquisições públicas dos excedentes da produção em esforço de valorizar as cotações do produto ampliando assim o montante arrecadado (tributo padrão ad valorem). Portanto, o confisco estimulava tanto o investimento industrial como a melhor liquidez do tesouro nacional, transferindo renda da agricultura para indústria em desestimulo às exportações de commodities agrícolas (leia-se café). O confisco cambial foi o embrião da chamada abertura do “guarda-chuva” em que a política de valorização brasileira incentivava a expansão do plantio entre os países concorrentes. Reflexo nefasto dessa política, notavelmente descrita pelo emérito prof. Delfim Netto (2), foi a progressiva perda de marketshare de mercado, especialmente, o estadunidense. Bacha &Greenhill (1992 – compilando dados de Bacha, 1967), contabilizaram a participação relativa do Brasil nas exportações mundiais de café, constando que no quadriênio 1950/53, o país detinha 49,5% de média de participação no mercado global da rubiácea, declinando para 32,8% na média do triênio 1964/66. Delfim Netto & Pinto, estimaram que nesse período a queda nos embarques brasileiros alcançou 10 milhões de sacas! Transcorridos mais de 60 anos dessa intervenção político-administrativa sobre o domínio econômico, de escopo tributário, ressurge, atualmente, em âmbito do governo interino, a proposta de taxar as exportações do agronegócio, objetivando aliviar o déficit de caixa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) (3). Há consenso entre os especialistas em contas públicas de que estabilizar o fluxo de caixa da previdência, consiste em aspecto crucial para o reequilíbrio das contas públicas como ainda elemento essencial para almejado crescimento econômico sustentável e de longo prazo. Entretanto, parece descabido equacionar problema interno (liquidez das contas públicas) penalizando os clientes e consumidores internacionais. Taxar as exportações do agronegócio brasileiro, justamente após a reconquista de destacada competitividade, derivada da maxidesvalorização do real, tem seus adeptos. Os saldos comerciais obtidos pelo agronegócio contribuem na oferta de dólares para a economia, valorizando o real acima daquilo que seria considerado o “ponto de equilíbrio” cambial, patamar no qual haveria estímulos à produção de bens e serviços locais. Assim, a taxação ao encarecer os embarques brasileiros, desestimularia as exportações das commodities, reduzindo suas receitas cambiais e contribuindo para a acomodação “justa” da paridade dólar x real. Todavia, ao reintroduzir modernamente a malfadada política pretérita do confisco sobre o café, fortalece-se a visão estreita de que seja possível galgar estágios mais avançados de desenvolvimento, mantendo o país relativamente fechado ao exterior. Após quase três décadas de globalização das finanças e do comércio, não há qualquer espaço para esse tipo de posicionamento. A inoportunidade em taxar as exportações do agronegócio possui agravante. Desde 1996, as exportações de produtos primários, semielaborados e serviços são isentas de pagamento de ICMS (Lei Kandir). Assim, não se pode aceitar a pretensão federal em taxar as exportações do agronegócio tendo obtido consenso no passado que redundou em perda líquida de arrecadação dos estados em favor de um projeto de maior abertura comercial do país. A proposta de taxar o agronegócio representa a volta ao duríssimo período enfrentado pelo setor, logo após a edição do Plano Real. Naquela altura, os alimentos, especialmente, os básicos tiveram papel decisivo na estabilidade da economia e êxito do Plano (fenômeno da âncora verde), transferindo, mais uma vez, parcela da renda obtida para a população urbana, o que garantiu menor pressão salarial sobre a indústria e os serviços, arrefecendo o processo inflacionário. O chamado agronegócio também é constituído pela agricultura de perfil familiar, principalmente, nos segmentos de avicultura, suinocultura, tabaco e fruticultura. Sem qualquer imunidade frente a taxação proposta, o governo interino, criaria um paradoxo intragorverno, qual seja, ampliar o crédito para a agricultura familiar (conforme já anunciado) e paralelamente penalizar o segmento com mais tributos, numa clara falta de racionalidade do processo decisório. A desvalorização cambial forneceu vantagem competitiva para os produtos que compõem o agronegócio brasileiro. O momento atual deve consolidar esse ganho, aproveitando-o para deslocar competidores no mercado internacional e apoiar a intensificação tecnológica buscando ganhos de produtividade e de qualidade para, com tais atributos, consolidar em futuro próximo o país na liderança mundial do mercado de alimentos, fibras e bebidas. A agropecuária brasileira deverá crescer dois milhões de hectares ao ano pelos próximos cinco anos. Os problemas enfrentados com logística e portos, absolutamente limitantes no atual contexto da produção, irão se acentuar. Lucidez mostraria o atual governo interino em apoiar o setor privado na remoção desse obstáculo, conferindo maior e melhor desempenho do setor o que, por si só, trará alívio para o colapso fiscal das contas públicas. (1)BACHA, E.L & GREENHILL, R. 150 Anos de Café. Marcellino Martins & Johnston Exportadores LTDA, 1992. 395p. (2) DELFIM NETTO, A. O Problema do Café no Brasil. Faculdade de Ciências Econômicas – Universidade de São Paulo, Boletim n05, 1959. 354p. (3)Ao menos não foram tão radicais com no primeiro Governo Vargas, quando jogar ao mar e queimar café eram procedimentos, diga-se tresloucados, para forçar aumento em suas cotações internacionais. (*)Celso Luis Rodrigues Vegro é eng.agr.; MS e pesquisador-científico do Instituto de Economia Agrícola, IEA celvegro@iea.sp.gov.br |
|||
Voltar | |||